Conto de autoria dos irmãos Grimm, traduzido do original por Ruth Salles e Renate Kaufmann.
Era uma vez uma feiticeira que tinha três filhos que se amavam
fraternalmente; a velha, porém, não confiava neles, pensando que
quisessem roubar-lhe o poder. Transformou, então, o mais velho numa
águia, que teve de ir morar no alto de uma montanha rochosa; e, de vez
em quando, podia-se vê-lo descrever grandes cÃrculos no ar, para cima e
para baixo. O segundo ela transformou numa baleia, que vivia nas
profundezas do mar; e só se podia vê-lo quando ele, por vezes,
esguichava um forte jato de água para cima. Ambos assumiam sua forma
humana apenas duas vezes por dia.
O terceiro filho, temendo que ela também o transformasse num animal
feroz, saiu de casa às escondidas. Ora, ele ouvira contar que no
Castelo do Sol Dourado havia uma princesa encantada aguardando sua
libertação. Todo aquele, porém, que tentasse libertá-la era obrigado a
arriscar a vida, e já vinte e três jovens tinham morrido de morte
horrÃvel; só mais um poderia tentar, e depois a mais ninguém seria
permitido.
Como seu coração nada temesse, tomou o mancebo a
resolução de procurar aquele castelo. Vagava ele pelos arredores, já há
bastante tempo, sem conseguir encontrá-lo, quando se viu numa grande
floresta e não sabia onde era a saÃda. De súbito, avistou ao longe dois
gigantes que lhe acenaram com a mão e, assim que ele se aproximou,
disseram-lhe:
- Estamos lutando por causa de um chapéu, para
saber a quem deve pertencer; como temos a mesma força, nenhum pode
subjugar o outro; os homens pequenos são mais inteligentes que nós, por
isso queremos deixar para ti a decisão.
- Como podeis brigar por causa de um chapéu velho? – perguntou o mancebo.
- Tu não sabes as virtudes que ele tem; é um chapéu mágico, e quem o
puser na cabeça pode desejar ir aonde quiser e, no mesmo instante,
estará lá.
Disse então o mancebo:
- Dai-me o chapéu!
Andarei um pedaço do caminho e, quando eu vos chamar, começai a correr; e
o chapéu será daquele que me alcançar primeiro.
Pondo o chapéu
na cabeça, ele saiu andando, mas, com o pensamento na princesa,
esqueceu os gigantes e continuou a andar. Ora, aconteceu que suspirando
do fundo do coração, ele exclamou:
- Ah, se eu estivesse no Castelo do Sol Dourado!
Nem bem falara, encontrou-se no cimo de um alto monte, diante dos portões do castelo.
Ele atravessou todos os aposentos, até que no último encontrou
a princesa. Mas que susto levou ao olhar para ela: tinha um rosto cor
de cinza, cheio de rugas, olhos baços e cabelos vermelhos.
- Sois vós a princesa cuja beleza todo mundo enaltece? – exclamou.
- Ah! – respondeu ela – esta não é minha aparência, os olhos humanos só
me podem ver neste feio aspecto; mas, para que saibas como sou, olha
neste espelho; ele não se deixa enganar e mostra minha verdadeira
imagem.
Ela pôs em sua mão o espelho, onde o mancebo viu
refletido o retrato da mais linda donzela do mundo, e viu como, de tanta
tristeza, as lágrimas lhe rolavam pelas faces. Então, ele disse:
- Como podeis ser salva? Eu não tenho medo de perigo algum.
Respondeu ela:
- Quem conseguir a bola de cristal e apresentá-la ao feiticeiro
quebrará seu poder, e eu retorno à minha forma verdadeira. Ah! –
continuou – por causa disso, vários já foram ao encontro da morte, e tu,
tão jovem, tenho pena que te exponhas a tão grandes perigos.
- Nada me pode deter – disse ele – mas dizei-me o que devo fazer.
- Saberás de tudo – ela respondeu. – Descendo do monte onde está o
castelo, encontrarás embaixo, junto a uma fonte, um touro selvagem, e
com ele deves lutar. Se tiveres a sorte de matá-lo, de dentro dele se
erguerá um pássaro de fogo, que leva em seu corpo um ovo incandescente, e
esse ovo tem como gema a bola de cristal. O pássaro, porém, não solta o
ovo senão quando é forçado a isso; e, se porventura o ovo cai no chão,
incendeia-se, e queima tudo ao seu redor, e se derrete e, com ele, a
bola de cristal; e todo seu esforço terá sido em vão.
Desceu o
mancebo à fonte, onde o boi bufava e bramava para ele. Depois de
demorada luta, ele o derrubou. Num piscar de olhos, ergueu-se de dentro o
pássaro de fogo e quis alçar vôo; mas a águia, que era o irmão do
mancebo e que estava voando por entre as nuvens, precipitou-se sobre
ele, perseguindo-o até o mar, e bicou-o até que ele deixou que se
soltasse o ovo. Este, porém, não caiu no mar e sim sobre uma cabana de
pescador situada na margem, a qual logo começou a fumegar, prestes a ser
consumida pelas chamas. Ergueram-se então do mar ondas enormes que,
inundando a cabana, dominaram o fogo. O outro irmão, que era a baleia,
viera nadando e impulsionara para cima a água. Tendo o fogo sido
apagado, o mancebo procurou pelo ovo e, por felicidade, encontrou-o. Ele
não se havia derretido, mas a casca, devido ao súbito choque com a água
fria, rachara-se, e a bola de cristal pôde ser retirada intacta.
Indo o mancebo apresentá-la ao feiticeiro, este lhe disse:
- Meu poder está desfeito e, de hoje em diante, és o rei do Castelo do
Sol Dourado. Com isso, também poderás devolver a teus irmãos a forma
humana.
Correu então o mancebo ao encontro da princesa e, ao
entrar em seus aposentos, ela lá estava em todo o esplendor de sua
beleza. E ambos, cheios de alegria, trocaram seus anéis.
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